“Dona Lary e seus dois maridos”: como fica o trisal segundo as leis brasileiras?

Via @carolcoutinhocunha | Em 02/04/2023, pelo portal do G1-CE, uma influenciadora digital entrou em acordo com o companheiro, Ítalo, que já viviam em união estável por quase oito anos e há um ano passou a manter relação com dois maridos na cidade de Fortaleza, quando João Victor passou a compor a relação.

O trisal tem quatro crianças, sendo as duas mais novas de cada um dos homens com a mulher, em que convivem em perfeita harmonia, dividindo inclusive, a mesma moradia.

Lary Ingrid, a influenciadora digital, diz não haver espaço para uma segunda mulher na casa, mas outro homem seria bem-vindo e que mantém relação com dois maridos após acordo e afirma: “Não tenho mais depressão”.

E afinal, o que seria trisal? É um termo utilizado para designar o relacionamento público estabelecido entre três pessoas que pode ter a qualidade de namoro ou propósito de constituir uma família.

A relação de um trisal se assemelha à relação de um casal, a diferença é que existe mais uma pessoa e do ponto de vista jurídico, essa união é possível?

O Supremo Tribunal Federal (STF) já avançou muito, foi revolucionário e contemplou muitos direitos, seguindo o princípio da pluralidade das entidades familiares, consagrado pelo caput do artigo 226 da Constituição Federal. Tivemos o reconhecimento da multiparentalidade, em 2016. Por outro lado, há uma outra compreensão na ordem da conjugalidade.

Em 2020, a Corte julgou negativamente os direitos das famílias simultâneas, não admitindo a possibilidade de reconhecimento de direitos nem às uniões estáveis paralelas nem à união estável paralela ao casamento, em homenagem ao princípio da monogamia (tanto para casamento quanto para união estável, à luz do artigo 226, §3º da Constituição Federal que equipara a união estável como entidade familiar equiparada ao casamento).

Portanto, não existe nenhuma regra específica no ordenamento jurídico brasileiro de constituição de uma família formada por meio de um relacionamento entre três pessoas, o chamado trisal.

Ademais, em 2018, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu pela proibição do registro de escrituras públicas de uniões poliafetivas. Com base nesse entendimento adotado pelo CNJ, a primeira conclusão que se chega é que atualmente a figura do trisal não é reconhecida juridicamente, de modo que essas pessoas não terão direitos reconhecidos para fins de partilha de bens na hipótese de dissolução desse relacionamento, herança no caso de morte ou mesmo de direitos previdenciário, por exemplo.

No entanto, nada impede que os trisais possam buscar o reconhecimento da família, da entidade familiar, por meio de ações judiciais no Poder Judiciário.

Inclusive, temos um precedente em que Leandro e Thaís que, juntamente com Yasmin, formam uma família poliafetiva, oficialmente desde 2016, e a tabeliã Fernanda de Freitas Leitão, do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, que foi a responsável pelo registro da escritura de união estável poliafetiva do trisal (disponível em https://recivil.com.br/rio-de-janeiro-registra-mais-uma-uniao-poliafetiva/).

Qual é o limite da intervenção do Estado na vida privada das pessoas? O IBDFAM – Instituto Brasileiro do Direito de Família, entende que o Estado não deve interferir, afinal de contas essas relações, quer as pessoas gostem ou não, vão existir. E, se não se puder fazer uma escritura pública, por exemplo, pode-se fazer um contrato particular, que terá os mesmos efeitos. Portanto, o estado não deveria intervir e a tendência é que seja cada vez menor essa intervenção.

O trisal é crime? Não, o relacionamento estabelecido entre três pessoas não é crime, tão pouco contravenção penal, uma vez que essa escolha é individual de cada um dos participantes que escolher viver esse tipo de relacionamento.

O crime acontece somente quando uma pessoa casada se casa novamente, sem ter se divorciado antes. Nesse cenário, estamos diante do crime de bigamia, conforme disposto no artigo 235 do Código Penal.

A bigamia é considerada crime, com a imposição de pena de reclusão, de dois a seis anos para aquele que contrai novo casamento, já sendo casado e pena de reclusão ou detenção de um a três anos, para aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância (artigo 235, §1º do Código Penal).

Assim, dois casamentos não são possíveis já que é considerado bigamia, o que acarreta a nulidade do casamento, nos termos dos artigos 1.548, inciso II c/c com artigo 1.521, inciso VI e o artigo 1.516, §3º, todos do Código Civil.

Esse tema provavelmente chegará ao Supremo Tribunal Federal que terá que decidir, a semelhança do que aconteceu quando em maio de 2011 (ADI n.º 4277 e a ADPF n.º 132), em que o STF reconheceu a união estável homoafetiva e, em outubro de 2011, o STJ determinou que o mesmo princípio se aplicava ao casamento.

De todo modo, até que as entidades resolvam realizar uma análise mais profunda sobre o tema, que vem se tornando cada vez mais comum, uma forma que o trisal pode fazer para resguardar seus direitos na esfera patrimonial, na medida do possível, seria registrar escrituras de imóveis conjuntas, em nome dos três ou constituir empresas por meio de holding familiar e patrimonial, a fim de resguardar de futuros problemas patrimoniais relacionados à partilha de bens adquiridos na constância da união estabelecida pelo trisal.

E no que tange ao registro de eventuais filhos do trisal? Como seria? Incialmente, o nosso ordenamento jurídico não reconhece maternidade tripla ou paternidade tripla dentro desta nova configuração familiar, todavia, ordenamento jurídico já reconheceu a figura da multiparentalidade.

Nada mais é que a possibilidade de uma criança ter em seu registro civil de nascimento o nome de mais de um pai e/ou o nome de mais de uma mãe, além do vínculo consanguíneo, biológico, mas pelo vínculo da afetividade. Isto quer dizer que a paternidade ou maternidade socioafetiva é literalmente baseada nos laços e vínculos de afeto desenvolvidos na relação entre o filho e o pai/mãe que o acolheu e criou como se pai/mãe fossem.

Após reconhecer a multiparentalidade, por vontade das partes envolvidas, é possível a inclusão do sobrenome do pai ou da mãe socioafetivo no nome do filho, retificando a certidão de nascimento da criança e não impede que conste os nomes dos pais socioafetivos e biológicos.

Adicionalmente, o Provimento n.º 63/2017 alterado pelo Provimento n.º 83/2019 autoriza perante os cartórios, o reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos, ou seja, não é mais preciso ação judicial para realizar esse tipo de requerimento.

De tal modo, caso o trisal tenha interesse que seja reconhecida a multiparentalidade de uma criança até 11 anos, este procedimento obrigatoriamente precisará ser feito pela via judicial, contratando um advogado especialista na área do Direito de Família e Sucessões para ajuizamento da ação judicial específica.

Por fim, em caso de separação do trisal, quando o casal rompe e ocorre a dissolução, a criança conviverá com o outro genitor/genitora. Agora, essa equação acerca da convivência vai ter que ser refeita. O mesmo se aplica ao caso da pensão alimentícia, se reconhecer o vínculo seja biológico ou afetivo, a pensão é obrigação dos três, na medida dos ganhos de cada um, quem ganha mais, acaba contribuindo mais, pautado no trinômio da necessidade, possibilidade e proporcionalidade.

Ana Carolina Coutinho (@carolcoutinhocunha) é Advogada e Professora de Direito de Família.

Artigo elaborado em 06/04/2023 a convite do Direito News.

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